Nomenclatura de Moléculas Orgânicas

Recomendações da IUPAC para a Nomenclatura de Moléculas Orgânicas

José Augusto R. Rodrigues
Química Nova na Escola, 13, mai. 2001
Apoio: INCT Energia e Ambiente
Edição: Lígia Dávila Bozzi
Coordenação: Guilherme Andrade Marson

O objetivo deste artigo é prestar esclarecimentos, para a comunidade de professores e alunos do ensino médio, sobre as recomendações da IUPAC (sigla inglesa para União Internacional de Química Pura e Aplicada) para a nomenclatura dos compostos orgânicos1. Pretendese ressaltar alguns exemplos que respondem a muitas dúvidas que nos têm sido formuladas por professores do ensino médio. Nas universidades, os professores de química orgânica têm observado nos alunos ingressantes muita desinformação e vícios que são de difícil eliminação. O agravante é que, ao tornarem-se professores, estes alunos perpetuam tais denominações imperfeitas e ultrapassadas, repassando-as aos estudantes. Grande parte dos livros adotados nas escolas seguem uma nomenclatura nem sempre atual, contendo os vícios indesejados acima mencionados2.


As regras atuais da IUPAC seguem as recomendações de 1993 (Powell, 1993; Panico et al., 1993), que incluem alterações importantes nos princípios gerais da nomenclatura, descritos naedição de 1979 (Klesney e Rigaudy, 1979). A principal finalidade da nomenclatura química é a identificação de espécies químicas por meio de palavras escritas ou pronunciadas. Este objetivo requer um sistema de princípios e normas, cuja aplicação dá origem a uma nomenclatura sistemática, contida nas recomendações de 1979.


Contrastando com os nomes sistemáticos, existem nomes tradicionais, semissistemáticos ou triviais, que são largamente utilizados para certos compostos mais comuns, como o “ácido acético”, o “benzeno”, o “colesterol”, o “estireno” e o “formaldeído”. Muitos destes nomes fazem parte de uma linguagem geral não científica e não se restringem à sua utilização no âmbito da ciência. São úteis e em muitos casos indispensáveis. Ganha-se muito pouco e perde-se certamente muito mais ao substituir esses nomes. Também existem nomes semissistemáticos, como “metano”, “propanol” e “ácido benzóico”, que, de tão familiares, poucos são os químicos que se dão conta de que não são nomes completamente sistemáticos.


Princípios gerais

A designação sistemática de um composto orgânico requer geralmente a identificação e a designação de uma estrutura parente. Este nome pode ser em seguida modificado por prefixos, infixos e, no caso de um hidreto, por sufixos que indicam com precisão as modificações estruturais requeridas para gerar o composto a designar a partir dela. Normalmente uma estrutura parente é um hidreto parente, isto é, uma estrutura que contém, para além dos átomos de hidrogênio, um único átomo de um elemento, por exemplo, o metano; um número de átomos ligados uns aos outros formando uma cadeia não ramificada, tais como o pentano; ou um sistema monocíclico ou policíclico, como o cicloexano, a piridina, o naftaleno e a quinolina.


Para se identificar a estrutura parente de uma molécula, é necessário realizar várias operações formais. Por exemplo, na designação da seguinte estrutura, o hidreto parente pentano deriva formalmente da substituição de átomos de oxigênio e de cloro por um número apropriado de átomos de hidrogênio.



Para a construção de um nome, esta operação é invertida. O prefixo “cloro”- e o sufixo “-ona”, que indicam a substituição de átomos de H do pentano, são adicionados ao nome do hidreto parente, originando o nome 5-cloropentan-2-ona. Os prefixos e sufixos podem indicar um número de diferentes tipos de operações formais efetuadas na estrutura. Freqüentemente, o prefixo ou o sufixo designam a ligação de um grupo característico, por exemplo, “oxo” ou “-ona” para =O. Um prefixo pode também descrever um grupo derivado de um hidreto parente, por exemplo, pentan-1-il ou pentil para CH3-CH2-CH2-CH2-CH2- (a partir do pentano).


A operação substitutiva é a mais extensamente usada na nomenclatura orgânica. Na verdade, o sistema de nomenclatura baseado na aplicação desta operação é denominado “nomenclatura substitutiva”, ainda que envolva outros tipos de operações. Exemplos desta e de outras operações de nomenclatura são apresentados no Quadro 1.


A operação substitutiva pode ser usada para designar compostos orgânicos nos quais átomos da cadeia de uma estrutura são substituídos por outros átomos, ou nos quais átomos de oxigênio e/ou grupos hidroxilas característicos são substituídos por outros átomos ou grupos. É muito importante reconhecer que, de uma forma geral, as regras de nomenclatura orgânica são escritas em termos de valência clássica e não envolvem configurações eletrônicas de qualquer espécie.


Hidreto parente

Um “hidreto parente” é a estrutura que é designada antes da adição de afixos referentes aos substituintes para a formação do nome de um composto específico. Este nome designa uma determinada população de átomos de hidrogênio ligados ao esqueleto da estrutura. Os hidretos parente acíclicos nunca são ramificados, como por exemplo o pentano. Usualmente os hidretos parente cíclicos estão completamente saturados, como o ciclopentano, o oxirano e o azepano.


Nomenclatura para algumas funções
Hidrocarbonetos
Figura 1
Figura 1

Exemplos de numeração de cadeias de hidrocarbonetos acíclicos saturados.

Os hidrocarbonetos lineares, não ramificados e saturados, de C2 a C4, são denominados por etano, propano e butano. Os nomes sistemáticos dos membros superiores desta série são constituídos pelo termo numérico, seguido da terminação “ano”, com elisão do “o” final do termo base. O nome genérico para os hidrocarbonetos acíclicos saturados é alcano. A cadeia é numerada de uma extremidade à outra com algarismos arábicos (vide Figura 1).


Hidretos heterogêneos

Hidretos heterogêneos constituídos por cadeias que contêm átomos de carbono e vários heteroátomos iguais ou diferentes, e possuindo nas extremidades átomos de carbono, podem ser denominados pela nomenclatura de troca (vide Figura 2). A Tabela 1 contém os nomes dos prefixos dos substituintes derivados dos hidretos parentes e exemplos de uso desses prefixos.


Tabela 1
Tabela 1

Nomes dos prefixos dos substituintes derivados dos hidretos parentes e exemplos de uso.

Grupos funcionais

Os prefixos e/ou sufixos que especificam uma estrutura molecular representam substituintes de vários tipos, que substituem átomos de hidrogênio de um hidreto ou de uma estrutura parente. Por exemplo, -OH, =O, -NH2, -CN, -COOH etc.


Insaturação

A presença de uma ou mais ligações duplas ou triplas em um hidreto parente é indicada pela substituição da terminação “ano” do nome do hidreto saturado por uma das terminações indicadas na Tabela 2, a qual também contém exemplos de uso destas terminações.


Tabela 2
Tabela 2

Designação de ligações múltiplas.

Especificação dos grupos funcionais

A presença de um grupo funcional pode ser indicada por um prefixo ou sufixo ligado ao nome parente (com elisão do “o”, se presente), conforme mostrado na Tabela 3.


Tabela 3
Tabela 3

Sufixos e prefixos empregados na nomenclatura substitutiva.

Guia para a construção de nomes
Tabela 4
Tabela 4

Grupos característicos citados apenas como prefixos na nomenclatura substitutiva.

A formação de um nome sistemático de um composto orgânico envolve várias etapas, as quais devem ser aplicadas pela seguinte ordem:


(a) a partir da natureza do composto é determinado o tipo de operação de nomenclatura a ser usado. A chamada “nomenclatura substitutiva” é realçada nestas recomendações, sendo muitas vezes também indicados outros nomes, como por exemplo os nomes da classe funcional usados normalmente como alternativas;


(b) determinar a natureza do grupo funcional (se existir) a ser citado por um sufixo ou pelo nome da classe funcional. Apenas um tipo de grupo funcional (conhecido como grupo principal) pode ser citado por um sufixo ou pelo nome da classe funcional. Todos os substituintes restantes devem ser especificados por prefixos;


(c) determinar o hidreto parente, incluindo prefixos indestacáveis;


(d) designar o hidreto parente e o grupo característico principal, se existir, ou o parente funcional;


(e) determinar os infixos e/ou prefixos (com os prefixos multiplicativos apropriados) e numerar a estrutura tanto quanto possível;


(f) designar os prefixos dos substituintes destacáveis e completar a numeração da estrutura, se for necessário;


(g) unir os componentes em um nome completo, por ordem alfabética de todos os prefixos substitutivos.


Na nomenclatura substitutiva, alguns grupos característicos podem ser designados por prefixos ou sufixos (Tabela 3), mas outros só podem ser denominados por prefixos (Tabela 4). Os nomes baseados nas classes funcionais diferem da nomenclatura substitutiva, pois a classe funcional é designada em uma palavra separada, seguida do nome de um substituinte referente à estrutura restante.


Os nomes baseados nas classes funcionais diferem da nomenclatura substitutiva, pois a classe funcional é designada em uma palavra separada, seguida do nome de um substituinte referente à estrutura restante.


Se as regras anteriores permitirem uma escolha, o ponto de partida e o sentido da numeração de um composto são selecionados de forma a atribuir os locantes mais baixos às seguintes características estruturais, consideradas sucessivamente pela ordem apresentada, até se encontrar uma decisão:


(a) numeração fixa (naftaleno, etc.);


(b) heteroátomos em heterocíclicos;


(c) hidrogênio indicado;


(d) grupo principal designado por um sufixo;


(e) heteroátomos em uma estrutura parente acíclica;


(f) insaturação (eno/ino);


(g) substituintes designados por prefixos.


Quando os vários componentes foram selecionados, designados e numerados, faz-se, se necessário, algumas modificações aditivas ou subtrativas. O nome completo é montado e os prefixos colocados por ordem alfabética (vide exemplos no Quadro 2).


Aplicação a classes específicas de compostos
Hidrocarbonetos
Compostos halogenados

Os nomes de classe funcional formam-se citando o nome de classe (“fluoreto”, “cloreto”, “brometo” ou “iodeto”) em uma palavra separada, precedido, se necessário, por um prefixo numérico, seguido pelos nomes dos “grupos” orgânicos.


CH3-I

iodeto de metila


(CH3)3C-Cl

cloreto de tert-butila


C6H5-CH2-Br

brometo de benzila


Br-CH2-CH2-Br

dibrometo de etileno


Compostos de nitroíla e de nitrosila

Os compostos que contêm um grupo –NO2 ou um grupo –NO são designados pelos prefixos “nitro” e “nitroso”, respectivamente.


Aminas primárias

As aminas primárias, NH2R, podem ser designadas de acordo com um dos seguintes métodos:


(a) citando o nome do grupo substituinte R como um prefixo do nome do hidreto parente azano;

(b) adicionando o sufixo “amina” ao nome do hidreto parente RH;

(c) adicionando o sufixo “amina” ao nome do substituinte R.


CH3-CH2-NH2


(a)etilazano


(b)etanamina


(c)etilamina


Quando o grupo –NH2 não é o grupo característico principal, ele é designado pelo prefixo “amino”.

Aminas secundárias e terciárias

As aminas secundárias e terciárias simétricas NHR2 e NR3 podem ser designadas de acordo com os dois métodos seguintes:


(a) citando o nome do grupo substituinte R, precedido pelo prefixo numérico “di”- ou “tri”-, respectivamente, antes do nome do hidreto parente azano;

(b) citando o nome do grupo substituinte R, precedido do prefixo apropriado “di”- ou “tri”-, seguido, sem espaço, pelo nome amina.

Exemplos:


(C6H5)2NH

(a) defenilazano

(b)definilamina


(C2H5)3N

(a)trietilanazo

(b)trietilamina


(ClCH2-CH2)2NH

(a)bis(2-cloroetil)azano

(b)bis(2-cloroetil)amina

2,2'dicloroetilamina



As aminas secundárias e terciárias assimétricas, NHRR’, NR2R’ e NRR’R’’ podem ser designadas de acordo com os seguintes métodos:


(a) como derivados substituídos do hidreto parente azano;

(b) como derivados N-substituídosde uma amina primária RNH2 ou de uma amina secundária R2NH;

(c) citando os nomes de todos os grupos substituintes, R, R’ ou R’’, precedidos pelos prefixos numéricos apropriados, seguidos diretamente, sem espaço, pelo nome de classe “amina”.

Nos nomes das aminas secundárias e terciárias assimétricas, os grupos substituintes são ordenados alfabeticamente.


Exemplos
Exemplos
Álcoois e fenóis

Na nomenclatura substitutiva, a indicação do grupo hidroxilo, -OH, como grupo característico principal, é feita pela adição de um sufixo apropriado, como “-ol”, “-diol” etc., ao nome do hidreto parente, com elisão da terminação “o” quando seguido de uma vogal.


Os nomes de classe funcional são formados pelo nome de classe “álcool”, citado em uma palavra separada, seguido do prefixo do substituinte derivado do hidreto parente correspondente, ao qual foi adicionado o sufixo “-ico”.


Exemplos
Exemplos
Éteres

CH3-CH2-O-CH2-CH2-Cl

1-cloro-2-etoxietano

CH3-O-CH2-CH3

éter etílico e metílico

metóxi-etano

CH3-CH2-O-CH=CH2

éter etilílico e vinílico

etóxi-eteno


Aldeídos

CH3CH2CH2CH2CHO

pentanal

CH3CHO

etanal

acetaldeído

OHC-[CH2]4-CHO

hexanodial

CH3CH2CH2CHO

butanal

butiraldeído

Cetonas
Ácidos carboxílicos
Notas

1. A tradução das normas do original em inglês aqui adotada é decorrente de um acordo celebrado com representantes da Sociedade Portuguesa de Química.


2. Um dos vícios mais comuns é o uso do termo “radical” no lugar de substituinte. Radical é uma espécie química definida, como o radical metilo (ou metila), ou o etila:

H3C• H3CCH2

  • Referências
    1. POWELL, W.E. (coord.). Revised nomenclature of radicals, ions, radical ions and related species (IUPAC recomendations 1993). Pure and Applied Chemistry, v. 65, p. 1357-1455, 1993.
    2. PANICO, R.; POWELL, W.H. e RICHER, J.-C. A guide to IUPAC nomenclature of organic compounds - Recommendations 1993. Cambridge: Blackwell Science, 1993. Correções publicadas em Pure and Applied Chemistry, v. 71, n. 7, p. 1327-1330, 1999.
    3. KLENESY, S.P. e RIGAUDY, J. Nomenclature of organic chemistry. Sections A, B, C, D, E, F, and H. Oxford: Pergamon Press, 1979.
  • Saiba Mais
    1. ALENCASTRO, R.B. e MANO, E.B. Nomenclatura de compostos orgânicos. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1987.
    2. Sobre a IUPAC e novas recomendações para química orgânica.
      www.iupac.org/divisions/III/index.html