Organocatálise

Uma Visão Geral dos Diferentes Tipos de Catálise em Síntese Orgânica

Flaviana R. F. Dias, Vitor F. Ferreira, Anna C. Cunha
Originalmente publicado em Revista Virtual de Química, vol. 4, n. 6, 2012
Apoio: Sociedade Brasileira de Química
Edição: Leila Cardoso Teruya
Coordenação: Guilherme Andrade Marson

A organocatálise é definida como a utilização de compostos orgânicos como catalisadores com a finalidade de acelerar uma reação orgânica. Os organocatalisadores são isentos de metal em sua constituição, o que desperta interesse nesse tipo de catálise por parte das indústrias.1


O interesse na organocatálise se deve à facilidade de obtenção dos organocatalisadores, sendo estes facilmente estocáveis, estáveis, atóxicos e de custo reduzido.1 Além disso, a organocatálise é um método simples, realizado em condições brandas, não havendo necessidade de utilização de atmosfera inerte e nem de solventes anidros. 2


A primeira síntese estereosseletiva envolvendo organocatálise foi descrita, em 1912, por Fiske e colaboradores.3 Esses pesquisadores observaram uma modesta enantiosseletividade na reação de adição do ácido cianídrico ao benzaldeído (86) catalisada pelo alcaloide quinina (111) ou quinidina (112) (Esquema 1).


Esquema 1. Reação de formação de cianoidrina 113 por organocatálise

Esquema 1. Reação de formação de cianoidrina 113 por organocatálise

Após 2002, a biocatálise apresentou um aumento exponencial no número de publicações (Gráfico 1), levando ao desenvolvimento de novos catalisadores e de inúmeras reações cujas versões assimétricas podem ser realizadas com a utilização de organocatalisadores como, por exemplo, Diels-Alder,4 reações de Mannich,5 reações de Michael,6 condensação 7 aldólica, dentre outras.


Gráfico 1. Evolução das publicações sobre organocatálise na última década. (Base de dados: Scifinder. Keyword: Organocatalysis. Acesso em 07 de junho de 2012)

Gráfico 1. Evolução das publicações sobre organocatálise na última década. (Base de dados: Scifinder. Keyword: Organocatalysis. Acesso em 07 de junho de 2012)

Na década de 70, dois grupos de pesquisadores utilizaram independentemente o aminoácido (L)-prolina (115) como organocatalisador em reação aldólica intramolecular, conhecida como anelação de Robinson.1 A enona é um importante intermediário sintético na síntese de esteroides, como progesterona e cortisona. Em ambas as reações, essa substância pode ser obtida em bons rendimentos em bons excessos enantioméricos. Apesar deste fato, a reação de anelação de Robinson catalisada pela (L)-prolina 115 permaneceu esquecida durante 30 anos, provavelmente devido ao sucesso dos métodos envolvendo catalisadores metálicos, que surgiram na década de 80.1


Esquema 2. Reação de anelação de Robinson assimétrica catalisada pela (L)-prolina (115) 1

Esquema 2. Reação de anelação de Robinson assimétrica catalisada pela (L)-prolina (115)1

Em 2000, List e Barbas III7 descreveram uma série de exemplos de reações aldólicas assimétricas organocatalisadas pela (L)-prolina 115, com bons rendimentos e excessos enantioméricos (Esquema 3).


Esquema 3. Reações aldólica organocatalisadas pela (L)-prolina 115 7

Esquema 3. Reações aldólica organocatalisadas pela (L)-prolina 1157

O mecanismo que explica a utilização da prolina como organocatalisador em reação de adição aldólica com a formação de dois novos centros assimétricos está mostrado no Esquema 4. Esse envolve o intermediário enamina, seguido da reação de aminoalquilação de Mannich,5 que é considerada uma das mais importantes ferramentas para formação da ligação C-N em química orgânica.


Esquema 4. Mecanismo de adição aldólica catalisada pela (L)-prolina 115

Esquema 4. Mecanismo de adição aldólica catalisada pela (L)-prolina 115

A utilização de derivados peptídicos como organocatalisadores na reação de oxidação quimiosseletiva e enantiosseletiva de indóis foi descrita por Miller e colaboradores.8 Essa é ferramenta de extrema relevância, uma vez que possibilita a construção de alcaloides estruturalmente complexos.


A reação de Mannich, também conhecida como adição 1,4, é um dos primeiros exemplos de uma reação multicomponente descrita na literatura.5 A reação multicomponente define-se como um processo convergente, no qual um ou mais reagentes combinam-se em um mesmo pote da reação para formar um produto que agrega características estruturais de cada um dos reagentes.9 Essa reação envolve a participação de um organocatalisador, de uma substância carbonilada não enolizável, uma segunda substância carbonilada enolizável e uma amina, levando à obtenção de uma -aminocetona (Esquema 5).5

Esquema 5. Uso da organocatálise na reação de Mannich

Esquema 5. Uso da organocatálise na reação de Mannich

A reação de Michael entre diversas cetonas e nitro-olefinas catalisada pela (L)-prolina 115 levou à obtenção de nitro compostos em altos rendimentos. Entretanto, foram obtidos excessos enantioméricos baixos.6

Esquema 6: Reação de adição de Michael via organocatálise 6  

Esquema 6: Reação de adição de Michael via organocatálise6 

Diferentemente das reações aldólicas e da reação de Mannich, que têm a enamina como intermediário de reação, no caso da adição do tipo 1,4 (adição de Michael) os produtos são obtidos com baixa enantiosseletividade.6 Na literatura, diferentes organocatalisadores foram preparados com intuito de aumentar a enantiosseletividade dos produtos obtidos através da adição 1,4.10 Exemplos de organocatalisadores incluem os alcaloides naturais, as sulfonamidas e as tioureias.


Zhang e colaboradores 10 sintetizaram a base de Schiff (133), via reação de adição de Michael, com rendimento e excesso enantiomérico elevados. Essa substância é importante intermediário sintético na obtenção da (L)-ornitina 134, um aminoácido usado como suplemento dietético e no tratamento da hiperamoniemia e distúrbios hepáticos. O organocatalisador utilizado nesta reação foi um análogo do alcaloide cinchonidina (132).10

Esquema 7. Preparação de intermediário para obtenção da (L)-ornitina (134)

Esquema 7. Preparação de intermediário para obtenção da (L)-ornitina (134)

A organocatálise vem ganhando destaque ao longo dos anos, principalmente na produção de intermediários sintéticos utilizados na obtenção de fármacos.11 A reação envolvendo a organocatálise é rápida e os organocatalisadores podem ser facilmente preparados, quando não são disponíveis comercialmente. Outra vantagem é a isenção de metal no produto final, sendo normalmente acompanhadas de elevados valores de rendimento e excesso enantiomérico. Contudo, são necessários novos estudos acerca deste tipo de reação, uma vez que usa grande quantidade de organocatalisador, quando comparada a catálise heterogênea, que utiliza cerca de 0,01% de catalisador.11

Conclusão

Até a metade do século XX, o desenvolvimento da química estava associado a processos de síntese de baixo custo, que levassem a altos rendimentos, negligenciando, muitas das vezes, a qualidade e o volume de efluentes químicos liberados para o meio ambiente.


Tendo como base as informações abordadas no escopo deste trabalho, percebe-se que os processos catalíticos, sejam eles por catálise homogênea, heterogênea, bio ou organocatálise, são de vital importância para o crescimento de uma sociedade sustentável. Esse fato deve-se aos processos catalíticos seguirem caminhos que conduzem a uma química viável, na qual ocorre a produção de compostos seletivos, ativos e estáveis, com menor dispêndio de energia e de combustível de forma eficiente e, ao mesmo tempo, não agressiva ao meio ambiente. Diferentes tipos de produtos podem ser obtidos por processos catalíticos, incluindo alimentos, medicamentos, combustíveis, polímeros, fragrâncias, dentre outros.


A área de catálise, principalmente a biocatálise, ainda necessita ser bastante explorada pelos pesquisadores, por exemplo, no sentido de reduzir o grande volume de efluentes químicos gerados por diferentes processos químicos.


Os processos catalíticos poderão apresentar menor custo e quantidades de rejeitos, com melhores rendimentos, e com condições suaves de temperatura e pressão. Avançar para processos que estejam de acordo com os Princípios de Química Verde é caminhar para uma sociedade sustentável.


Nota

Originalmente, o artigo apresenta uma visão introdutória sobre catálise, tratando tanto da catálise homogênea quanto da heterogênea, além de abordar aspectos gerais da biocatálise.


Este conteúdo introdutório e as respectivas referências bibliográficas podem ser acessados por meio do link para o artigo original.


http://www.uff.br/RVQ/index.php/rvq/article/viewFile/371/291

  • Referências
    1. Amarante, G. W.; Coelho, F. Quim. Nova 2009, 32, 469.
    2. Alves, D. S.; Sena, M. M.; Viana, F. A.; Rocha, R. O Rev. Proc. Quim. 2011, 9, 64.
    3. Fiske, W. S.; Bredig, G. Biochem. Zeitschrift 1912, 46, 7.
    4. Stowe, G. N.; Janda, K. D. Tetrahedron Lett. 2011, 52, 2085.
    5. List, B. J. Am. Chem. Soc. 2000, 122, 9336.
    6. List, B.; Pojarliev, P.; Martin, H. J. Org. Lett. 2001, 3, 2423.
    7. List, B.; Lerner, R. A.; Barbas III, C. F. J. Am. Chem. Soc. 2000, 122, 2395.
    8. Kolundzic, F.; Noshi, M. N.; Tjandra, M.; Movassaghi, M.; Miller, S. J. J. Am. Chem. Soc. 2011, 133, 9104.
    9. Batalha, P. N. Rev. Virtual Quim. 2012, 4, 13.
    10. Zhang, F., Corey, E. J. Org. Lett. 2000, 2, 1097
    11. Díez, D.; Antón, A. B.; Peña, J.; García, P.; Garrido, N. M.; Marcos, I. S.; Sanz, F.; Basabe, P.; Urones, J. G. Tetrahedron Asymmetry 2010, 21, 786.